140 Anos: A CONTRIBUIÇÃO GREGA em Santa Catarina ​

Paschoal Apóstolo Pítsica [i]
Florianópolis, 1994

A chegada dos primeiros gregos a Santa Catarina ocorreu na primavera de 1883 e não foi por provocação do governo brasileiro, nem partiu do interesse do Império Grego. Vieram eles, para o porto do Desterro. porque o veleiro «LEFKI PERISTERÁ», em que viajavam, havia sofrido avarias em alto mar, reclamando imediatos reparos.

Uma pequena colônia surgiu, porque recuperado o veleiro, quando seguiu viagem, deixou parte de sua tripulação. Era um velho veleiro, particular, cuja tripulação o próprio capitão selecionara entre os marujos da sua ilha de origem, Kastellórizon. Kastellórizon é o ponto territorial mais oriental da Grécia, pequena ilha próxima de Chipre e da Turquia e onde conta a mitologia, Apolo, irmão gêmeo de Diana, filhos de Zeus, criava seus rebanhos e praticava suas artes.

Naquela época, o império brasileiro chegava ao seu ocaso e a Província de Santa Catarina, bem por isso, via seus mandatários serem substituídos duas a três vezes por ano, como consequência da instabilidade política. Santa Catarina acabara de ser assolada por temporais prolongados, provocando tragédias, grandes cheias nos rios, desastres ecológicos, desabamentos, elevados prejuízos à lavoura e à pecuária, destruição das vias de acesso e muitas mortes. Gama Rosa, homem culto e de rara sensibilidade, assumia o governo da Província, e às voltas com tais problemas e sofrimentos, encontrava tempo para proteger Virgílio Várzea, Cruz e Sousa, Santos Lostada e Araújo Figueredo que se iniciavam nas letras.

O próprio «Capitanus Sawas Nicolaos Savvas», este era o seu nome, mais tarde retornaria à Ilha de Santa Catarina com seus familiares e incentivaria outras pessoas mais a assim proceder. Não eram indigentes, necessitados ou foragidos da ação da justiça. Eram pessoas honradas, decentes, com recursos, viajadas, que já conheciam toda a costa do Mediterrâneo, desde Jerusalém até Alexandria e Constantinopla. Alguns vinham até com diploma de professor e outros de médico, conquistado em Londres. Mas, o maior valor que trouxeram foi a boa formação, educação e cultura. Eram pessoas de bem e de incensurável conduta. Desterro, por isso, dispensou-lhes afetuosa recepção.

A Constituição republicana de 1891 assegurou a todos eles, que mal sabiam falar a língua portuguesa, automaticamente, a cidadania brasileira. O inciso IV do art. 69 da Constituição Federal determinava que eram brasileiros: «Os estrangeiros que, achando-se no Brasil aos 15 de novembro de 1889, não declararem, dentro de seis meses depois de entrar em vigor a Constituição, o ânimo de conservar, a nacionalidade de origem».

Quando o novo século chegou, a notícia desses gregos à Ilha de Santa Catarina corria por toda parte. Todos os portos onde se encontravam gregos navegando, sabiam que aqui, no hemisfério ocidental, nas águas do Atlântico setentrional, existiam gregos radicados em definitivo.

E, para que se mantivessem o culto da língua, suas tradições patrióticas, seus costumes, sua religião e todo o patrimônio de tradições que traziam da Ilha de Kastellórizon, foi formada uma pequena «colônia grega», também para que se desse assistência aos patrícios que por aqui aportassem e aos demais que apenas passavam em trânsito.

Mais importante que a quantidade do efetivo, foi a contribuição da Colônia assistindo aos demais gregos, fazendo circular riquezas, comércio e relações internacionais. (Kastellórizon hoje é parte integrante do Mercado Comum Europeu e o seu Prefeito, Sr. Apóstolos Mavros, é natural de Florianópolis. Seu tio foi, recentemente, Ministro das Relações Exteriores da República da Grécia [1994]).

Em 1929 foi criada a «Irmandade Greco Orthodoxa São Constantino». Não foi por acaso que se homenageou o santo que emprestava nome à principal igreja de Kastellórizon, onde esses gregos haviam sido batizados e seus antepassados convolaram núpcias. A Irmandade foi criada para manter unida a «Colônia Grega de Santa Catarina», Florianópolis, naqueles tempos, via surgir a Igreja de São Nicolau, dedicada ao santo protetor dos navegantes e homens do mar. Aos poucos Florianópolis foi incorporando ao seu linguajar uma série de palavras cansativamente repetidas por esses gregos.

A cidade passava a conviver com histórias da Grécia antiga, da sua mitologia, de seus heróis, contadas pelos novos «brasileiros», cidadãos iguais a eles.  

E outros gregos, de Kastellórizon e de outras regiões da Grécia, foram chegando a Florianópolis, todos com seus próprios recursos e que vinham se juntar a esses que aqui já se encontravam. Chegavam ainda traumatizados com o que haviam visto de destruição, na Europa, e consequentemente, na própria Grécia, vítimas da Primeira e da Segunda Guerras Mundiais.

Os que vieram com esposa e filhos e desejavam professar a religião de seus antepassados, permaneceram vinculados à «Colônia Grega de Santa Catarina»; os outros, que seguiram o catolicismo, contraíram casamento com cônjuges que não conheciam o idioma grego, e aos poucos foram se afastando da colônia tradicional.

Uns e outros, entretanto, orgulham-se de sua origem grega, contribuindo assim, pela etnia, na formação da identidade de Florianópolis.

Tanto que hoje, não se pode falar na contribuição estrangeira em Santa Catarina sem mencionar a dos gregos, porque a alma e o temperamento do catarinense têm a marca também dessa gente, tão rica de tradições.

O AUTOR

[i] Paschoal Apóstolo Pítsica nasceu em Florianópolis, SC, 26 de novembro 1938, de Apóstolo Paschoal Pítsica e Anastácia Apóstolo Pítsica. Faleceu em 11 de maio de 2003. Participou em Santa Catarina do conhecido movimento literário LITORAL e, como fundador, subscreveu em 1º de setembro de 1957 o manifesto do grupo cuja revista, com o mesmo nome, dirigiu. Foi sócio emérito do Instituto Histórico E Geográfico De Santa Catarina. Presidiu a Academia Catarinense de Letras e publicou diversas obras, entre elas: Defesas Perante O Tribunal Do Júri -1983; Juvêncio Martins Costa e sua obra poética ‘flores sem perfume’ – 1986; A Capitania De Santa Catarina Alguns Momentos – 1993; Palavras e Registros – 1990; Memória Visual Da Colonização Grega De Florianópolis – 2003; Aquarelas Gregas – 2000. Formado em Direito, exerceu pioneiramente a Advocacia no Oeste Catarinense, destacando-se como orador brilhante e na elaboração de peças jurídicas que nos foram legadas no livro intitulado “Defesas no Tribunal do Júri”. Posteriormente, advogou na Serra Catarinense, evidenciando e confirmando a sua vocação para o exercício da profissão com denodo, competência, coragem e independência. De volta à Capital do Estado, prestou reconhecida contribuição às Letras do Estado. Fomentou o resgate de obras raras, promoveu novos escritores e lançou novas Academias. Participou ativamente de um período em que a Editora da OAB-CAASC/SC publicou uma séria de obras de autoria de Advogados catarinenses, contribuindo sobremaneira para o estudo sistemático do Direito e da Justiça, e para a disseminação da Consciência Jurídica.  Foi Orador do Instituto dos Advogados de Santa Catarina-IASC e um grande promotor da cultura jurídica.