17 de março de 2019: DOMINGO DA ORTODOXIA

Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

Hoje, como fazemos em todos os anos, no final da primeira semana da Quaresma, comemoramos a Festa do «Triunfo da Ortodoxia». E todos os anos temos de valorizar e compreender, não apenas o significado histórico desta comemoração, mas também o que isso representa para nossas vidas.

Primeiramente, devemos lembrar que o «Triunfo da Ortodoxia» não é o triunfo dos ortodoxos sobre outros povos, outras religiões. É o triunfo da verdade divina nos corações daqueles que pertencem à Igreja Ortodoxa e que proclamam a verdade revelada por Deus em sua integridade e autenticidade.

Hoje, temos de agradecer a Deus, do fundo de nossos corações, por Ele ter se revelado a nós, ter dissipado as trevas das mentes e corações de milhares e milhares de pessoas, ter compartilhado conosco o conhecimento da perfeita Verdade Divina.

A razão desta festa é o reconhecimento da legitimidade da veneração dos ícones. Ao fazer isso, proclamamos que Deus – invisível, inefável, o Deus a quem não podemos compreender – tornou-se verdadeiramente homem; que Deus se encarnou, que Ele vive no meio de nós cheio de humildade, simplicidade e glória. Ao proclamar isso, veneramos os ícones não como ídolos, mas como uma declaração da Verdade da Encarnação. Ao fazer isso, não podemos nos esquecer de que não são os ícones de madeira e de pintura, mas Deus que revela a si mesmo no mundo. Cada um de nós foi criado à imagem de Deus. Somos todos ícones vivos, e isso coloca sobre nós uma grande responsabilidade, porque um ícone pode ser desfigurado, transformado em uma caricatura ou blasfêmia. Temos que pensar em nós mesmos e nos perguntar: somos dignos, somos capazes de ser chamado de ícones, imagens de Deus?

Um escritor ocidental disse que aqueles que encontram um cristão devem enxergá-lo como uma visão, uma revelação de algo que eles nunca perceberam antes; que a diferença entre um não-cristão e um cristão é tão grande, radical e impressionante como a diferença que existe entre uma estátua e uma pessoa viva. A estátua pode ser bela, mas é feita de pedra ou madeira, além disso, não tem vida. Um ser humano pode não parecer, à primeira vista, possuidor de tal beleza. Aqueles que o conhecem, no entanto, devem ser capazes – assim como aqueles que veneram um ícone abençoado e consagrado pela Igreja – de enxergar no homem o brilho da presença do Espírito Santo; enxergar Deus revelado na humilde forma de um ser humano.

Enquanto não formos capazes de ser essa visão para aqueles que nos rodeiam, nós falhamos em nosso dever; não proclamamos o «Triunfo da Ortodoxia» em nossas vidas; mentimos para o que proclamamos.
O que é verdade em relação a nós também é verdade em relação a nossa Igreja. Cristo nos conclamou a fazer de nossa Igreja uma família; uma comunidade de cristãos consubstanciada num corpo de pessoas unidas umas às outras pelo amor pleno, pelo amor do sacrifício; um amor que é o amor de Deus por nós. A Igreja foi e deve ser um corpo de pessoas cuja característica é o amor encarnado de Deus. Infelizmente, em todas as nossas Igrejas, o que vemos não é o milagre do amor Divino.

Desde o início, infelizmente, a Igreja foi construída de acordo com paradigmas do Estado: hierárquica, rígida e formal. Falhamos em ser verdadeiros como no início, como as primeiras comunidades cristãs. Em defesa dos cristãos, Tertuliano disse ao Imperador de Roma: «Vede como se amam!» Nós não somos coletivamente um corpo de pessoas de quem se poderia dizer isso. Temos de aprender a recriar o que Deus quis para nós; recriar o que existiu uma vez; recriar as comunidades, igrejas, paróquias, dioceses, patriarcados, toda a Igreja, de tal forma que a realidade da vida deva ser a mesma realidade do amor. Infelizmente, nós ainda não aprendemos isso.

Assim, quando comemoramos a festa do Triunfo da Ortodoxia, devemos lembrar que Deus venceu; que proclamamos a verdade, a verdade que o Deus, encarnado revelou. E, neste mundo, há uma grande responsabilidade para todos nós, tanto coletivamente quanto individualmente: não devemos negar, por meio de nossas condutas, o que proclamamos.

Um teólogo ocidental disse que podemos proclamar toda a verdade da Ortodoxia e, ao mesmo tempo, desfigurá-la pela maneira como vivemos. Nossa maneira de viver pode mostrar que tudo não passa de meras palavras. Devemos nos arrepender disso. Temos de mudar, temos de nos tornar essa pessoa que encontramos e que nela enxergamos a verdade de Deus, a luz de Deus, o amor de Deus em nós, individual e coletivamente. Enquanto não fizermos isso, não participamos do Triunfo da Ortodoxia.

Deus triunfou, porém nos encarregou de fazer de seu triunfo o Triunfo da Vida para o mundo inteiro.  Portanto, aprendamos a viver, individual e coletivamente, de acordo com o Evangelho, que é a Verdade e a Vida, e a construir sociedades de cristãos que são a revelação dessa Verdade, para que possamos dizer: «Vamos renovar nossas instituições, nossos relacionamentos; renovar tudo o que passou ou que permanece velho e tornarmos uma nova sociedade em que a Lei e a Vida de Deus possam prosperar e triunfar». Amém.

Metropolita Anthony de Sourozh
Tradução de S. Knežević
do texto original em inglês disponível em: www.mitras.ru

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